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Munique é simplesmente incrível. Mas aqui resolvi falar das pessoas, e deixar o post sobre a cidade para outro momento. Por aqui vou tocar num ponto mais sério. Antes de começar, devo falar que esta foi uma percepção individual, talvez existam outros pontos de vista e eu realmente adoraria receber diferentes comentários aqui no blog, ok?
As pessoas e os hábitos em Munique me chamaram muito a atenção, não só por serem diferentes, mas pela intensa dose de respeito que vi na cidade. É de abrir a boca, tirar o chapéu e aplaudir de pé a atitude do pessoal da Baviera.
O primeiro que notei é a intensa organização das pessoas, eles simplesmente são organizados. Eles entendem que o espaço próprio tem um limite que termina quando o espaço do outro começa. Neste pensamento, filas, trânsito, atendimento, chamadas ao telefone, subidas no trem, preferências por assentos vagos, pagamentos, tudo é perfeitamente sincronizado e estruturado na cidade.
E nada de bico feio ou cara amarrada, ninguém fica estressado por esperar a sua vez e acompanhar a ordem das coisas. É tanto que, por exemplo, em algumas partes da cidade encontrei uma escada rolante com dois sentidos, ela desce e sobe dependendo do lado que é acionado primeiro. Adivinha o que acontece? Se a escada está subindo e alguém do outro lado já está esperando para descer, a outra pessoa que está por subir – que podia aproveitar a deixa e subir junto, rapidinho – espera a sua vez! Ou usa a escada normal ao lado, se estiver com pressa. Imagino que isto aconteça mais em horários de pouco movimento, mas ainda assim, me surpreendi.
Agora a cena que mais me impressionou foi no starbucks da estação central de trens, que geralmente é um lugar pouco seguro, com batedores de carteira e onde é melhor estar bem atento. Havia uma jovem sentada em uma das mesas, sozinha, trabalhando em seu macbook pro. Ela tomava um café enquanto trabalhava e, por algum motivo, ela precisou sair.
Ela se levantou, pegou algo na sua bolsa e saiu, deixando a bolsa e o computador na mesa. Repito: BOLSA E COMPUTADOR NA MESA.
Ela simplesmente se levantou e foi embora, sem ao menos avisar as pessoas ao lado para que cuidassem suas coisas, o que para mim já seria um absurdo. Eu fiquei pasma, quase me levantei para ver se não era alguma pegadinha, câmera escondida, whatever. Nada. Passaram-se 15 minutos e ela voltou tranquilamente, se sentou no mesmíssimo lugar e voltou a mexer nas suas coisas – que estavam intactas.
- Estação de Trens em Munique
E você? Faria isso ainda que estivesse em lugar hiper seguro?
Honestamente, eu não consigo nem pensar em deixar minhas coisas sem supervisão por uns instantes, independentemente de onde eu esteja. Custo em acreditar que isto realmente tenha passado diante dos meus olhos, mas sim, passou, e ali passam outras histórias semelhantes várias vezes ao dia. Este episódio me ensinou algumas verdades que são difíceis de digerir e muitas vezes nos custam muito aceitar: são vários mundos em um mesmo planeta.
Não vou falar de desigualdade social – porque é o óbvio – mas de comportamento social. Ela não desconfiou que alguém poderia passar por perto de suas coisas e levar algo. Talvez ela tenha julgado o tempo de ausência curto e o ambiente fechado como fatores que a permitissem sair. O fato é que esta garota vive em um mundo que lhe permite tomar algumas decisões como esta, um mundo em que além de fazer filas e esperar a vez, respeita o espaço – e as coisas – alheias.
A origem deste mundo é muitas vezes explicada pela história, grandes guerras, revoluções, pensamentos, etc. As diferenças deste mundo com os demais também são explicadas pela mesma história, o que não muda o fato de as coisas serem como são. Pensei muito no Brasil enquanto estive ali, e no que seria necessário para que a nossa vida no Brasil pudesse ser como na Alemanha. Tenho certeza que a maioria das pessoas adoraria andar pelas ruas com segurança, sem se preocupar com furtos, assaltos, sequestros e crimes violentos. Estou ainda mais segura de que adoraríamos poder deixar nossas coisas sozinhas em um café na Estação ou Rodoviária da cidade, caso precisássemos sair por uns instantes, sem que as roubassem.
E comecei a pensar na relação entre furtos, roubos, violência e a sociedade: se existe alguém que foi roubado – ou que haja sofrido algum crime – existe alguém que cometeu tal crime. Para eliminar a violência, é preciso que inexista o criminoso, o vilão – que muitas vezes é mais vítima do que vilão na história. E é fato que na Alemanha existem muito menos “vilões” que “mocinhos”. E por que? Sabemos de cor as questões de renda, fome, desequilíbrio social, pobreza, falta de educação, de incentivos e de interesses. Pensamos na corrupção, no estado, na culpa do sistema, da exploração social. Acredito que estas questões devam sim ser consideradas nas discussões sobre o problema, mas elas não são suficientes na hora de entender o porquê de existir menos criminalidade, furtos e insegurança em países como a Alemanha. O dia-a-dia talvez possa responder este dilema, explicando uma diferença muito maior entre ambos os mundos. A sociedade se faz com a participação de todos, e em casos como o da Alemanha, se percebe muito claramente o quanto este conceito é bem difundido e aplicado no cotidiano. E eles crescem respeitando os limites de sua sociedade, sabendo que devem seguir as regras para que a vida funcione.
Uma família educa seus filhos para que possam aprender, interagir e viver em harmonia. Uma criança vai à escola porque lhe ensinam o quanto é importante ir à escola. Estudam porque gostam de estudar, e lhes dá prazer aprender. Fazem os exames e se não sabem ou não estudaram o suficiente, eles admitem que não estudaram, e lhes é permitido falhar e receber uma má avaliação. E eles aprendem com os erros e re-pensam suas atitudes a cada momento de falha, para que possam melhorar como pessoas. Eles falam a verdade, seja ela fácil ou não de se dizer, e sem rodeios. Eles admitem quando não sabem sobre algo, sem dissimular sobre o tema. Eles pedem ajuda aos demais, sem medo de serem ofendidos, receberem insultos ou sofrerem com sua debilidade. Eles consideram o tempo alheio tão importante quanto o próprio, e o respeitam para terem seu próprio tempo respeitado. Eles dizem sim, quando querem dizer sim, e dizem não, quando querem dizer não. Eles aprendem a respeitar as regras e aprendem que elas existem para seu próprio bem. Uma regra não é uma limitação, é uma ferramenta de crescimento. Eles finalmente entendem que juntos podem receber mais benefícios que sozinhos. Logo entram todas as questões macro-econômicas, estatais e tributárias que também funcionam. Na Alemanha, eles pagam até 45% de sua renda para o governo, sabendo que este dinheiro será aplicado em benefício social – e próprio. E estes são somente alguns exemplos de comportamento social que provocam tantas diferenças quando comparamos ambos os mundos.
Se um dia chegaremos lá, possivelmente. Se existem bons exemplos comportamento social no Brasil, é óbvio que sim. Não são poucas as vezes em que compartilhamos lições de cidadania e respeito entre amigos, familiares e conhecidos. No entanto, para que tais lições deixem de ser um evento se tornem algo do nosso cotidiano, ou, para que possamos desfrutar de uma caminhada tranquila e sossegada pela noite sem preocupar-nos com bolsas, carteiras ou a própria vida, devemos ser antes uma sociedade por inteiro, e para isso nos falta ainda muito amadurecimento.